Aspectos Etnográficos

Riquíssimo património oral versando a Senhora da Graça e o Monte ( lendas, quadras, contos, cantigas, orações e provérbios); a romaria de Santiago (já referida em 1500) foi sempre a maior explosão espontânea de folclore da região (Tunas, tocatas, ranchadas, estúrdias e cantadores ao desafio, subindo o monte toda a noite.)


Os romeiros de Santiago
romeiros1Diante das particularidades mais carismáticas da etnografia, iremos abordar a figura dos romeiros de Santiago, figura emblemática do nosso imaginário tradicional que, movidos pela fé, partiam de longe, de muito longe, para cumprir uma magnífica jornada de agradecimento, de súplica e louvor, à Senhora que, lá no alto, atendia as sua súplicas e orações, aos seus desejos e às sua aspirações. Vinham geralmente em bandos e em rusgas organizadas, animados pelas tocatas e pelo bucólico canto das mulheres de Basto, canto de marcar o ritmo da vindimas, das pisas no lagar, das malhadas do centeio, das arrancadas e das barrelas do linho, das desfolhadas nas eiras.


Nossa Senhora da Graça
Mandai varrer as areias
Que eu já rompi os sapatos
Não quero romper as meias


Chegavam de noite. Vinham descalços, com as mantas pelas costas, com as botas cardadas e romeiros2com os filhos "depindurados" nos ombros, muitos deles amortalhados, em sinal de agradecimento por qualquer cura milagrosa, com grandes cirios nas mãos, a cabacinha presa na correia de cabedal. Elas traziam gigas e cestas de vime à cabeça com o apetitoso merendeiro para os dias da romaria.
Paravam em Mondim para descansarem e para matarem a sede, para fazerem a festa cantando, dançando e dormindo ao relento à porta da Capela do Senhor, à porta das tavernas, no Largo do Prazo ou em qualquer cantinho acolhedor.

Se fores ao Santiago
Ao Santiago
Se fores não vás sozinha
Não vás sozinha
Não vás sozinha

Santiago não tem água
Ó Santiago
Tem vinho na cabacinha
Na cabacinha na cabacinha

Trailarai lai lai lai


De madrugada partiam para o Monte com uma cantiga na boca e a Senhora no coração no cumprimento de rituais ancestrais mantidos por tradição: pôr a mão nas "pegadinhas da burrinha de Nossa Senhora", insculturas rupestres gravadas nas rochas daquele monte, lavar a cara e beber na Fonte da Costa onde rezam as lendas que se erguia a capelinha de São Veríssimo. Bater com a cabeça na "Pedra Alta", menhir e pedra de culto caiada de branco onde ainda hoje se acendem fogos votivos à noite, rezar, e deixar um tostãozinho nas três capelinhas "dos Passos", parar e olhar com respeito e com admiração para o alto dos Palhaços onde habitavam os "mouros", onde se deram batalhas memoráveis, onde aparecem princesas encantadas e onde se escondem tesouros fabulosos em secretas minas que vão desaguar nas margens do rio, apertar as botas ou os socos na "Pedra de calçar", entrar no terreiro de chapéu na mão, beijar a fita da Senhora, cumprir todas as promessas feitas durante o ano, de pé, de rastos ou de joelhos, dar voltas ao santuário deitado num caixão transportado pelos parentes com a banda a acompanhar ou com tocatas organizadas incorporadas no cortejo.

peregrinos

Abriam-se depois os merendeiros e bebia-se daquela luz original. No regresso traziam como emblema e recordação um ramo de medronheiro e os medronhos enfeitando as orelhas, a estampa da Senhora na lapela ou na fita do chapéu, para serem identificados, como romeiros da Senhora. Por rotas e caminhos de antiguidade regressavam ao lar, cantando, dançando e fazendo a festa pelas localidades atravessadas.

medronheiro

Medronheiro da Senhora
Sempre com fruto e flor!
Que bela recordação
Pra levar ao meu amor

Nossa Senhora da Graça,
Que dais aos vossos romeiros
Que dais aos vossos romeiros


Graça e água das fontes
E fruto dos medronheiros
E fruto dos medronheiros

Medronheiro d'além d'água
Mal haja quem te cortou
Mal haja quem te cortou

Davas fruto, davas sombra
E ninguém te granjeou
E ninguém te granjeou


A antiquíssima romaria de Santiago funcionou sempre como receptor e emissor de folclore. Recebia as modinhas de varias proveniências e difundia essas mesmas modinhas para todas as direcções. Dizem os mais antigos que, parte das cantigas que ainda hoje se cantam por aí, foram trazidas pelos romeiros de Santiago.

andor


Nossa Senhora da Graça
Vinde abaixo dai-me a mão
Eu sou romeirinha nova
Abafo do coração

Nossa Senhora da Graça
Tem um galo no andor
Que canta à meia-noite
Louvado seja o Senhor

Nossa Senhora da Graça
Que dais a quem vos vai ver
Aos solteiros alegria
Aos casados bom viver

Nossa Senhora da Graça
Lá no alto de Mondim
Todo o mundo fala, fala
Ninguém olha para sim

No ventre da Virgem Mãe
Encarnou divina graça
Entrou e saiu por ela
Como o sol pela vidraça

Muitos outros aspectos estão intimamente ligados à devoção da Senhora do alto do monte, que sempre fez parte integrante da vida de todos quantos moravam na Região. O pagamento de promessas continua a ser a grande motivação que sensibiliza milhares de devotos anualmente. A vida dos mondinenses, a vida de todos os que nasceram a seus pés, nunca girou sem o apoio e a protecção da Virgem Mãe.

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Desde tempos muito antigos que se instalou o costume de quem partia para grandes distâncias, como por exemplo no tempo da emigração para o Brasil, subir à Senhora da Graça para se entregar à sua protecção e prometer, se regressasse são e salvo, que à Senhora voltaria a subir para pagar a graça recebida. A estampa da Senhora viajava, colada no interior dos baús, como referência, para matar saudades e para proteger quem partia. Por aqui passaram os que emigraram para Europa, os soldados mobilizados para a guerra do Ultramar, os estudantes universitários ou as mocinhas de servir que iam trabalhar para as grandes cidades.

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Nossa Senhora da Graça
Eu pró ano lá hei-de ir
Eu pró ano lá hei-de ir

Ou casada ou solteira
Ou mocinha de servir
Ou mocinha de servir


Há lendas que nos falam dos milagres operados por Nossa Senhora da Graça aos marinheiros. O culto da Senhora está, desde há séculos, radicado junto da classe piscatória portuguesa.
Os marinheiros da zona de Vila Nova de Gaia e da Afurada, locais onde se diz que se consegue ver o alto do monte, continuam a trazer, anualmente, pequenas réplicas dos seus barcos, o pão e o vinho para servirem o altar.

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Os novos tempos

A estrada que hoje dá acesso ao alto do monte ficou concluída em 1944 e foi alcatroada na década de 50. Os primeiros 1200 metros levaram três anos a romper e só passados 7 anos é que terminou. Até aí toda a gente ia e vinha a pé pelos caminhos, inclusivé as bandas que iam actuar nas romarias. Tudo era transportado à mão ou carregado em carros de bois.
Com a estrada pronta muito do tradicional se foi alterando. O acesso ao Alto do Monte passou a fazer-se através das motorizadas, dos automóveis e dos autocarros das empresas de camionagem, o que permitia à maioria dos romeiros virem no próprio dia não pernoitando por cá. Tal facto foi crucial para a alteração das tradições e prejudicou grandemente o Santiago em Mondim. A antiquíssima romaria de características ímpares, foi perdendo a tradição e ganhando costumes de modernidade.
noite_romeirosDepois de passados tantos anos, o povo parece querer voltar aos velhos tempos e trepar a pé até ao alto de Nossa Senhora da Graça. Já se vêem romeiros a chegar ao fim do dia, já se combinam horas da subida, merendas e encontros a realizar.

A noite de 24 de Julho, noite dos Romeiros de Santiago, que a Câmara Municipal instituiu na tentativa de recuperar a ancestral Romaria, revela-se, hoje, como o principal cartaz das Festas do Concelho de Mondim de Basto.