13 DE JANEIRO DE 2018 - SESSÃO SOLENE

Discurso do Coordenador do projeto “Restauração do Concelho de Mondim de Basto – 1898-2018”, na Sessão Evocativa dos 120 Anos da Restauração do Concelho:

Excelentíssimo senhor Presidente e demais membros da Assembleia Municipal de Mondim de Basto.
Excelentíssimo senhor Presidente e vereadores da Câmara Municipal de Mondim de Basto.
Excelentíssimas autoridades aqui presentes.
Minhas senhoras e meus senhores.

No dia 13 de janeiro de 1898, há exatamente 120 anos, o concelho de Mondim de Basto foi restaurado, desligando-se do vizinho concelho de Celorico de Basto e retornando, por conseguinte, ao distrito de Vila Real e à província de Trás-os-Montes. Terminava, assim, um processo de dependência política e administrativa, com a duração de três anos, período suficiente para gerar sentimentos de desagrado e insubmissão, fazendo despertar uma consciência de identidade local que, passado este tempo, continua fortemente enraizada na população.
Mas, para entendermos melhor o alcance da data que hoje comemoramos, façamos um recuo até ao século XIX, centrando-nos no momento em que João Franco, conselheiro do rei D. Carlos, decreta a Reforma do Código Administrativo, em 1896, ao abrigo do qual são suprimidos quase meia centena de concelhos, entre os quais o de Mondim de Basto.
Durante o período denominado de Constitucionalismo Monárquico, que decorreu entre Revolução Liberal de 1820 e a Instauração da República, em 1910, sucederam-se em Portugal as reformas administrativas, sendo as de 1836, 1853 e 1895 as mais importantes, no que se refere à alteração do mapa de municípios, como resultado da extinção de uns e criação de outros. Convém dizer que dos 826 municípios existentes no final do séc. XVIII passou-se a apenas 291, em 1911, tendo desaparecido, por conseguinte, quase dois terços.
No que toca ao concelho de Mondim de Basto, todas as 3 grandes reformas tiveram importantes consequências.
Na primeira reforma, de 6 de novembro de 1836, Mondim de Basto alargou os seus domínios com a inclusão do território de Atei, um dos 498 concelhos extintos por Passos Manuel; Nessa altura, o concelho de Ermelo perdeu para o de Vila Real as freguesia da Campeã, Quintã e Vila Cova.
Na segunda grande reforma, de 3 de agosto de 1853, em plena Regeneração, Mondim de Basto integrou o território de Ermelo, um dos 83 concelhos extintos pelo Duque de Saldanha. Há que referir que nesta altura Ermelo abarcava toda a cabeceira do rio Olo, o que significa que as aldeias de Dornelas e Lamas de Olo lhe pertenciam.
A terceira e mais nefasta Reforma para Mondim de Basto, teve início na deliberação do ministro e secretário de estado dos negócios do reino, João Franco, do Partido Regenerador, publicada no Diário do Governo nº 50, de 4 de Março de 1895, onde é comprometida a reclassificação de Mondim de Basto como concelho de 2ª ordem, ou seja um concelho dos que “dispõem dos suficientes recursos para custear (...) os encargos do concelho”.  Por essa razão, por decreto de 26 de setembro do mesmo ano, o concelho de Mondim de Basto é agrupado ao concelho de Celorico de Basto, com exceção da freguesia de Lamas de Olo que passa para a jurisdição do concelho de Vila Real.
Embora esta agregação fosse extremamente negativa para Mondim de Basto, ela não extinguia o concelho, situação que passou a vigorar, em 26 de junho de 1896, por decreto assinado pelo mesmo ministro. Se na primeira situação o município manter-se-ia, mas cerceado na sua autonomia, no segundo caso o concelho pura e simplesmente seria suprimido, sendo as suas freguesias anexadas a Celorico de Basto, ao distrito de Braga e à província do Minho.
Não sabemos como reagiram os mondinenses, face às graves alterações impostas pelos decretos governamentais, pois não existe jornal local que, na circunstância, seria o repositório de tais sentimentos. Presumimos, no entanto, tomando como referenciais outros municípios extintos pelo mesmo decreto, que o clamor tenha sido violento, contrastando com o regozijo de outros concelhos, nomeadamente o de Vila Real, que anexou a freguesia de Lamas de Olo, assim como as da Cumieira, Louredo e Fornelos, do também extinto concelho de Santa Marta de Penaguião, tal como ficou registado no “O Villarealense”, jornal Regenerador daquela localidade.
A partir deste acontecimento, a restauração dos concelhos suprimidos passou a ser uma das bandeiras do Partido Progressista, entrando, por conseguinte na agenda política. Em Mondim de Basto, as populações mostravam a sua insatisfação e não perdiam a oportunidade de o exteriorizarem. Uma das manifestações de descontentamento popular que ficaram registadas na imprensa de Celorico, diz respeito à anulação das eleições para a Câmara Municipal de Celorico de Basto, realizadas em outubro de 1897, as quais foram mandadas repetir pelo Supremo Tribunal Administrativo, por irregularidades verificadas em Ermelo e Mondim de Basto, entre outras freguesias, “onde o escrutínio se realizara sob pressão da força armada, postada dentro e fora da igreja”.
Com o agravar da instabilidade política, característica deste período, chegou ao poder o Partido Progressista, o qual reverteria muitas das medidas anteriormente tomadas, contrariando a política regeneradora.
Por decreto de 13 de janeiro de 1898, do ministro e secretário de estado dos negócios do reino, José Luciano de Castro, foram restaurados 51 municípios, entre os quais o de Mondim de Basto.
Embora restabelecido e reintegrado no distrito de Vila Real, o concelho de Mondim de Basto não recuperou todo o território que possuía em 1895, já que a freguesia de Lamas de Olo se manteria na jurisdição de Vila Real, onde ainda permanece. Tal facto, poderá estar relacionado com a circunstância de exercer as funções de Governador Civil, o 3º Conde de Vila Real, José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, chefe do Partido Progressista no distrito, considerado um dos grandes obreiros da restauração dos concelhos. A reintegração das freguesias da Cumieira, Louredo e Fornelos no restaurado concelho de Santa Marta de Penaguião já havia sido motivo de grandes discordâncias no município de Vila Real, pelo que uma tomada de partido pela devolução de Lamas de Olo ao concelho de Mondim de Basto iria abrir maiores hostilidades com o Governador Civil, num meio onde o Partido Regenerador tinha ampla representação. Assim, a restauração do concelho de Mondim com 8 das suas freguesias já era uma vitória significativa, justificando-se a permanência de Lamas de Olo em Vila Real como uma das reivindicações das suas populações, agora mais próximas da sua sede de concelho.
De qualquer forma, o empenho do Governador Civil do distrito de Vila Real na restauração do concelho de Mondim de Basto não poderá ser posto em causa, não sendo por acaso que, na passagem do 2º aniversário daquele acontecimento histórico, em 13 de janeiro de 1900, o executivo mondinense tenha deliberado que o seu principal largo, o Largo Municipal  ficasse denominado de “Largo do Conde de Vila Real” e, aquando do seu falecimento, fosse exarado na ata da Comissão Executiva da Câmara Municipal, de 13 de dezembro de 1923, um voto de sentido pesar, aprovado por unanimidade, “considerando os relevantes serviços por ele prestados na restauração do concelho e na criação da comarca”.
Com a restauração do município, a administração do concelho foi entregue a Carlos Valeriano Rodrigues de Carvalho, proprietário do Souto, antigo escrivão da Câmara Municipal e chefe do Partido Progressista em Mondim de Basto e a Comissão Administrativa nomeada para exercer as funções executivas seria composta por João Gonçalves Fernandes e Justo Moraes, Presidente e Vice-Presidente, ambos com ligação ao poder municipal antes e durante a anexação e pelos vereadores Alfredo Alves de Morais, Manuel Duarte Pereira Machado e Francisco Gomes Ribeiro.
Não queremos, aqui dissertar sobre as dificuldades que estes ilustres cidadãos, a quem foram confiados os destinos do restaurado concelho, tiveram que enfrentar. Lembrámos, todavia, que em Portugal e, por extensão em todos os seus concelhos, a luta partidária ganha cada vez maior expressão, a carestia de vida acentua-se de dia para dia e o território municipal é imenso, desprovido de ligações  à sede do distrito e a Ribeira de Pena, sem grandes recursos próprios e, por isso, sempre dependente do poder central para acudir às despesas correntes e aos investimentos necessários, em edifícios escolares que não tinha ou em cemitérios que não existiam, exceptuando o de Mondim e o de Atei, isto para só falar daquilo que, na época, era o mais crítico.
Hoje, porém, o dia é de comemoração de uma vitória dos mondinenses e, por conseguinte, é dia de festa.
O historiador Fernando Catroga, da Universidade de Coimbra, que em Portugal melhor estudou o fenómeno da “comemoração”, entende o conceito “comemorar” como sinónimo de dar vida à morte, o que significa, segundo o Professor Luís Reis Torgal que “ao recordar aquilo que sucedeu, deseja-se valorizar um acontecimento ou uma personalidade, procurando avivar a memória presente e fazer com que ela se prolongue no futuro”.
Por isso mesmo, a comemoração de um acontecimento local importante, pela elevada carga simbólica que comporta, proporciona rituais de fixação de memória que fazem deles momentos privilegiados de afirmação e integração das comunidades, ao mesmo tempo que legitimam os poderes instituídos.
Ao contrário dos municípios de Vila Nova de Poiares, em Coimbra, Viana do Alentejo, em Évora, Cadaval, em Lisboa e Santa Marta de Penaguião, em Vila Real, nesta caso até 2013, onde o dia 13 de janeiro é feriado municipal, em Mondim de Basto o dia escolhido para celebração da festa da restauração foi o dia 26 de janeiro de 1898. Bem diferente de um papel, mesmo sendo um decreto, cujo conteúdo só chegaria ao conhecimento da maioria da população dias mais tarde, a chegada a Mondim de Basto dos carros de bois carregados com os arquivos das diversas repartições municipais tornou-se a data memorável que o povo sublinharia com o entusiasmo e alegria, promovendo uma festa brilhantíssima. Por essa razão, quando por decreto de 12 de outubro de 1910, as municipalidades puderam dentro da área dos respectivos concelhos, considerar feriado um dia por ano, escolhendo-se dentre os que representavam as festas tradicionais e características, o vice-presidente do executivo mondinense apresentou uma proposta, que mereceria a concordância unânime da Câmara, que era do teor seguinte: “considerando que o dia vinte e seis de janeiro de mil oitocentos noventa e oito, dia da entrada n’esta villa, dos archivos das diversas repartições deste concelho, extinto pelo despótico decreto de vinte e seis de junho de mil oitocentos noventa e seis, que o mandou anexar ao de Celorico de Basto e restaurado  por decreto de treze de janeiro de mil oitocentos noventa e oito, marca na história d’este concelho, propunha que fosse considerado feriado o dia vinte e seis de janeiro, devendo passarem-se e afixarem-se editaes em todos os logares d’este concelho, e bem assim oficiar-se ás autoridades civis e chefes das diversas repartições, deste concelho, para seu conhecimento e devidos efeitos.
Hoje, passados 120 anos do facto que aqui evocamos, está fora de questão, sequer, aventar como uma possibilidade abandonar o atual feriado de Mondim de Basto, que é uma verdadeira festa municipal, para recuperar uma data que, para muitos mondinenses é algo que não conhecem. Num tempo em que alguns põem em causa até feriados nacionais, secularmente estabelecidos ou interiorizados por milhões de crentes, parece-nos fora de questão fazer deste tema agenda. Todavia, para fazermos verdadeira justiça à História entendemos que o dia deverá ser comemorado todos os anos, fazendo passar nas escolas matéria relevante sobre a data e que o 13 de janeiro de 1898 deverá figurar na toponímia do concelho, num local compatível com o real significado do acontecimento.
Viva o 13 de janeiro de 1898
Viva o Município de Mondim de Basto
Muito obrigado.
António Pereira Dinis

 

Evolução Urbanística de Mondim de Basto

Ao recordarmos a data de 1898, marco capital na história do concelho de Mondim de Basto, não podemos deixar de ser acometidos pela fascinante curiosidade de imaginar o retrato da vila, na transição do século XIX para o XX. Embora não se disponha de cartografia e registos fotográficos daquela década, recorrendo às mais antigas plantas de Mondim de Basto, olhando as fachadas dos edifícios que se distribuem pela atual malha urbana e analisando as atas camarárias que registam alguns dos factos importantes da vida do Município,  vamos procurar aproximar-nos da fisionomia de Mondim de Basto à época da restauração do concelho e destacar o mais relevante da evolução da vila, até à aprovação do primeiro ante-plano urbanístico, que aconteceu em finais de 1952.
Genericamente, em 1898, o aglomerado urbano de Mondim de Basto confinava-se ao espaço entre o Olival do Senhor e o Atalho, desenvolvendo-se ao longo da estrada que vinha da ponte sobre o Tâmega e conduzia para Atei, Vilar de Ferreiros/Bilhó e Paradança/Ermelo. A maior concentração do edificado implantava-se entre o Souto e o Eirô, extremos ligados pela rua Velha que era o eixo estruturante da vila, da qual irradiavam várias ruas, ditas secundárias, mas funcionalmente imprescindíveis na articulação urbana e na ligação aos campos da envolvência. Em alguns dos entroncamentos destas vias tinham-se desenvolvido terreiros, com um papel importante no quotidiano da população, sendo um dos mais relevantes o do Souto, localizado na encruzilhada da rua Velha com a rua das Lajes, por onde se saía para as propriedades agrícolas da Costeira e de Ribadal.
O largo do Souto estava nobilitado, desde  o último quartel do séc. XVI, pela Capela do Santíssimo Sacramento, templo edificado a pedido dos moradores, desagradados com a distância e o difícil acesso à sua igreja paroquial, particularmente penoso nos meses de Inverno, pois tinham que atravessar a alagada veiga do Valinho. No final do século XIX, a capela ainda dispunha de um alpendre, sustentado por colunas e mobilado com bancos de pedra, acrescentado ao edifício no século XVII,  onde se acolhiam peregrinos e viandantes, para além de ser um espaço de encontro e de sociabilidade dos habitantes locais. Para melhorar a circulação neste espaço, a Câmara Municipal mandou calcetar o largo, em 1901, tendo gasto com a obra a quantia de 40.000 reis.
Na outra ponta da vila, junto ao Eirô, no entroncamento da rua Velha com a rua do Cavalo, por onde se saía para Campos, Vilar de Ferreiros e Bilhó e com a rua de Viacova, direcionada para a Igreja paroquial, Vilar de Viando, Paradança e aldeias próximas ao Marão, tinha-se definido um outro terreiro, denominado a Praça, circunscrito de poente pelo lugar do Rego e, por essa razão, também apelidado de largo do Rego e mais tarde Municipal, pela contiguidade aos símbolos do poder local. Aqui se erguia o pelourinho manuelino, junto da capela setecentista de Santa Quitéria [1] e se construiu, em momento avançado do século XIX, os Paços do Concelho que albergavam os órgãos da administração, antes da anexação a Celorico de Basto e para onde voltaram, após a restauração do município. Este edifício, erguido graças à ação do administrador Jerónimo Bartholino de Araújo, passou a balizar, do lado nascente, o Largo Municipal, rebatizado em 1900 como Largo do Conde de Vila Real [2] , em homenagem ao governador civil do distrito, grande obreiro da restauração do concelho de Mondim. Nesse ano, a Câmara Municipal procedeu a melhoramentos na praça, entre os quais o seu calcetamento, despendendo com a obra 50.000 réis.
A aparência mais elitista desta zona da praça, exemplificada pela magestosa casa do Eirô de Baixo, seria reforçada com a construção de duas imponentes casas de volumetria tendencialmente vertical, uma delas ostentando um interessante lamberquim a guarnecer os bordos do beiral, aproximando-nos por essa via aos referenciais brasileiros dos seus proprietários.
Da rua Velha, entre os dois largos referidos, saía uma rua para o Outeiro e para a Costeira, outra para o Escourido e o Rego e uma outra, mais estreita (quelha da Veiga), para a veiga do  Valinho, com ligação à rua da Viacova e à Igreja paroquial. Embora com alguma importância estrutural, esta ruela era muito desprezada pela população que aqui fazia os seus despejos de lixos e imundícies sendo, por isso, alvo de muitas queixas dos utentes e dos residentes mais próximos. A situação tornou-se tão grave que, em 1936, a Câmara determinou vedar o acesso público por meio de dois portões de ferro, dotados de fechadura, colocados um em cada extremo, sendo entregues as chaves aos proprietários que faziam serventia pela mesma quelha.
Como se depreende, pelo que se referiu, o aglomerado urbano de Mondim de Basto, na transição do século XIX para o XX, alcandorava-se nas encostas sul e poente do Outeiro, dominando todo o vale do ribeiro do Valinho, linha de água que serpenteava a paisagem a caminho  do Tâmega, fundamental na fertilização da veiga, composta por um mosaico de campos rodeados por vinha de enforcado, onde pontuava o milho e a batata. No lado oposto ao Outeiro, onde sobressaiam os relevos de  Casabril e do Monte Ladário, as marcas urbanas eram residuais, mantendo-se praticamente inalterada a ambiência rural secular, misto de leiras e sortes de mato. A quebrar a paisagem do Monte Ladário, na meia encosta, assomava o novel cemitério paroquial, construído em 1877 à volta da capela de Nossa Senhora da Piedade e o escadório de pedra, por onde a via sacra caminhava até ao calvário, erguido junto ao templo. Também no sopé do monte, abrigadas pelo relevo cónico dos ventos dominantes, ombreavam dois edifícios emblemáticos da urbe, a casa da Igreja, com a sua fisionomia solarenga de setecentos e a igreja paroquial que, naquela ano de 1898, mostrava a fachada principal recentemente reconstruída, graças à benemerência de José Vitorino Carvalho de Magalhães, mondinense radicado no Rio de Janeiro.
Este espaço fora da vila sofreria alterações significativas nas décadas de 1910 a 1930, com o arranjo do largo fronteiro à matriz e melhoramento do acesso ao escadório do cemitério e devido à trasladação da capela de Nossa Senhora da Piedade, do interior do cemitério para o alto do monte Ladário, com a construção de uma avenida e arborização da envolvente.
A capela de Nossa Senhora da Piedade, construída no último quartel do século XVIII no local onde estava arruinado um edifício mais antigo, da mesma invocação [3], ficou rodeada pelo cemitério paroquial, aquando da sua construção, um século mais tarde. Em outubro de 1922, o comendador Alfredo Álvares de Carvalho, residente na cidade de Recife, fez um requerimento à Câmara, pedindo licença [4] para conduzir pelas ruas do cemitério municipal o material da capela que pretendia reconstruir no alto do monte do mesmo nome. Conseguida a respetiva autorização camarária, a reconstrução foi realizada em 1923, sendo o templo benzido pelo bispo de Vila Real, D. João Evangelista de Lima Vidal, no dia primeiro de maio de 1924.
Os melhoramentos no Monte Ladário continuaram nos anos seguintes, com a construção de uma avenida de acesso à ermida e, finalmente, a arborização do outeiro que ficaria concluída nos inícios de 1931, como se depreende das deliberações camarárias, de 5 e 26 de fevereiro, as quais determinavam que “500 árvores enviadas pela Florestal de Amarante para a estação da Chapa serão entregues ao benemérito Senhor Comendador Alfredo Álvares de Carvalho para plantar no monte da Senhora da Piedade onde este benemérito tem feito melhoramentos” e “entregar 100 amoreiras, enviadas pela Estação Sericícola Meneses Pimentel, de Mirandela, ao benemérito Senhor Comendador Alfredo Álvares de Carvalho para plantar no monte da Senhora da Piedade”.

Até aos inícios de 1940, salvo as modificações que adiante assinalaremos, pouco mudou na zona nuclear (a que hoje chamamos “centro histórico” de Mondim de Basto), como se comprova pelo mais antigo levantamento aerofotogramétrico, à escala 1:2.000, elaborado pela Comissão de Fiscalização dos Levantamentos Topográficos Urbanos, do Ministério das Obras Públicas e Comunicações. Este levantamento foi o ponto de partida para a concretização do Plano Geral de Urbanização, imposto pelo governo de Salazar, tendo como mentor Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e Comunicações, através do Decreto-Lei nº 24.802, de 21 de dezembro de 1934. Como previa dificuldades técnicas e financeiras dos municípios, o estado disponibilizou ajuda às Câmaras Municipais na elaboração das plantas topográficas, ajuda que a autarquia mondinense não regateou, conforme se comprova pelas atas das reuniões do executivo.
Na sua reunião ordinária de 24 de dezembro daquele ano, a Câmara Municipal de Mondim de Basto tomou conhecimento do Decreto 24.802, que mandava promover o levantamento da planta topográfica e a elaboração de planos de urbanização, tendo registado na respectiva ata “resolvido deixar para ocasião oportuna este assunto visto não ter data fixada”. Porém, logo no mês seguinte, chegou à Câmara um ofício do Ministério das Obras Públicas pedindo para no prazo de 30 dias lhe fosse indicado: - Se a sede do concelho tinha planta geral elaborada com curvas de nível e qual a escala respectiva; - No caso de a não ter se desejava a Câmara que a planta topográfica desta localidade fosse levantada nos termos dos artºs 6º e 7º do Decreto 24.802; - Se existia no concelho alguma povoação a que a Câmara julgasse aplicável a doutrina do artº 2º (localidades com mais de 2.500 habitantes que, entre dois recenseamentos oficiais consecutivos, acusassem um aumento populacional superior a 10%). Desconhecemos o encaminhamento que a Câmara deu ao solicitado mas sabemos que no orçamento de 1936 foi inscrita verba para pagamento dos encargos com os levantamentos topográficos e, no Verão desse ano, a Direção dos Edifícios Nacionais do Norte nomeava o Eng. Manuel Lima Fernandes de Sá, daquele serviço, para fazer parte da Comissão encarregada de delimitar a área a levantar pela planta topográfica, trabalho preliminar da organização do plano de urbanização da vila. No ano de 1937 não há notícias sobre o assunto, o que leva a admitir alguma inércia da Câmara em linha com a presumível dificuldade dos técnicos envolvidos no levantamento das plantas topográficas, a braços com um enorme volume de trabalho, pois o plano abarcava o território nacional. No entanto, o governo central tinha pressa no assunto, pelo que a Comissão dos Levantamentos Topográficos emitiu uma circular, no final de 1938, chamando a atenção das Câmaras para a deliberação do Ministro das Obras Públicas e Comunicações de não autorizar, de futuro, a comparticipação do Estado em obras de urbanização quando estas não fizessem parte de planos gerais devidamente estudados sobre as novas plantas topográficas conforme as prescrições do Decreto nº 29.802. No início de 1939 chegaram à Câmara Municipal o auto de delimitação da vila, memória descritiva  e o esboço da área a levantar topograficamente, documentos que deveriam ser assinados pelo executivo e devolvidos a Lisboa, para que se iniciassem os trabalhos. Nesse ano, as empresas adjudicatárias terão entrado em ação, como se depreende por uma circular do Governo Civil de Vila Real que pede à Câmara conceda todas as facilidades aos responsáveis pela execução dos serviços. Os trabalhos deverão ter-se arrastado pelos anos seguintes, estando concluídos em 1943, quando são fornecidas à Câmara Municipal 2 cópias da planta topográfica da vila e disponibilizados mais exemplares, ao preço de 20$00 cada.

Retornando às transformações urbanas, ocorridas  durante o primeiro terço do século XX, importa destacar algumas das operações que marcaram a fisionomia da vila. Uma dessas intervenções, que se desenrolaria na sequência da construção da estrada nova, paralela à rua velha, incidiu na zona nascente, englobando o Eirô, o Rego e o Escourido e contemplou a transferência da capela de Santa  Quitéria para o logradouro da casa do Eirô, em 1917 e o alargamento do terreiro para noroeste e sudoeste, graças à oferta e aquisição de alguns terrenos do Rego. Nos finais da década, em 1929, este espaço adquiriria a configuração atual, sendo ajardinado e nobilitado com um Monumento aos Heróis da 1ª Grande Guerra, melhoramentos feitos a expensas do benemérito José de Carvalho Camões, os quais foram entregues simbolicamente ao Município, em 9 de abril de 1930, passando o espaço a denominar-se de Praça 9 de Abril, em homenagem à batalha de La Lys (Bélgica), onde perderam a vida muitos soldados lusos.
Também no Escourido, local onde existia um pequeno terreiro utilizado, desde 1926, para a venda de peixe, se procedeu a uma intervenção importante [5]. No ano de 1929, a Câmara Municipal deliberou expropriar e demolir alguns edifícios, de modo a criar uma praça para mercado municipal e  facilitar a ligação do Jardim Público à rua Velha e, obviamente, ao quartel dos Bombeiros Voluntários. Para o efeito, encarregou José Soares Nogueira, desenhador-topógrafo de Vila Nova de Gaia, de elaborar o respectivo projeto , tendo pago pelo serviço 350$00 [6].
Como havia urgência na intervenção, logo no dia 2 de janeiro de 1930, João António Parente, Ilídio Augusto de Castro, Francisco Gomes Martins, José Teixeira Torres e D. Ana Carneiro foram intimados a comparecer na Câmara para se entenderem acerca do valor dos prédios de que eram proprietários, que a autarquia pretendia expropriar amigavelmente e em fevereiro já decorriam alguns trabalhos, como se constata pelo pagamento de 38$50 que a Câmara  fez a Luís da Costa, jornaleiro da vila, importância despendida com um carro de bois e dois operários empregados na remoção de entulho existente junto do fontenário público. Embora o plano originalmente traçado tenha esbarrado com alguma oposição dos proprietários, a obra realizou-se, com os ajustes necessários, estando concluída nos finais de 1931, passando a integrar a praça um talho municipal, construído pela edilidade no gaveto do largo, com a fachada voltada para a Praça 9 de abril, equipamento provido de todas as condições de asseio e higiene, com o pavimento de mosaico e as paredes revestidas de azulejos, até à altura de 1.80m. Concluída a intervenção, a Câmara apressou-se a definir a organização do espaço de venda, tendo deliberado “que a venda do peixe, aves, hortaliças, frutas, cereais, legumes e tudo enfim que seja exposto ao público seja desde já no local que esta Câmara destinou para Mercado Municipal no novo largo do Escourido, ficando o peixe do lado direito de quem sobe e o restante do lado esquerdo” [7].

Depois de concluída e aprovada a planta topográfica da vila de Mondim de Basto, o que aconteceu em 1943, a Câmara Municipal dispunha de um prazo de três anos para a apresentação ao governo do respectivo plano de urbanização, conforme o disposto no Decreto-Lei nº 24.802, de 21 de dezembro de 1934, já atrás referido. Para lembrar tal obrigação, o Diretor-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais oficiou à Câmara Municipal de Mondim de Basto, aproveitando para esclarecer que o Ministro, a pedido dos interessados, vinha dispensando a abertura de concursos públicos para a elaboração  de tais planos e que o governo poderia comparticipar nas despesas resultantes daquela elaboração até ao limite de 50% desde que lhe fosse solicitado e as dificuldades financeiras da autarquia o justificassem. Inteirada deste assunto, na sua reunião de 15 de junho de 1944, a Câmara encetaria contactos com o Arq. Luís José de Oliveira Martins, morador na Foz do Douro, para a realização do Plano de Urbanização.
No dia 15 de novembro de 1946, a Câmara registou uma carta do arquiteto, comunicando a sua chegada a Mondim para tratar do Plano de Urbanização e, no dia 31 de março do ano seguinte, deliberou na sua reunião “enviar brevemente” o ante-plano de urbanização da vila, devidamente preenchido - supomos que um documento com as ideias gerais da autarquia, relativamente aos equipamentos necessário no futuro. Aliás, a Câmara Municipal receberia, passado 3 meses, um ofício da Direção-Geral dos Serviços de Urbanização, de Lisboa, comunicando que havia sido concedida assistência técnica gratuita para a elaboração do Plano de Urbanização da vila e pedindo para que fossem enviados ao Arq. Oliveira Martins os elementos de inquérito para o ante-plano [8].
Não sabemos como foi resolvido o problema do não cumprimento dos prazos impostos pela lei, pois o assunto só voltaria a ser abordado na reunião da Câmara, de 14 de setembro de 1950, quando foi deliberado “convidar, por meio de editais, os munícipes a apresentar por escrito as suas sugestões sobre o Ante-Plano de Urbanização da vila”, estabelecendo o prazo de 15 dias para tal. Dois anos  passados sobre a abertura à consulta pública, a Câmara, em reunião de 25 de setembro de 1952, deliberou, por unanimidade, aprovar o ante-plano de urbanização [9], encerrando, finalmente, este processo.
O ante-plano de urbanização de Mondim de Basto é um documento executado sobre a carta topográfica, à escala 1:2000, disponibilizada pela Câmara Municipal ao Arq. Luís José de Oliveira Martins. O exemplar conservado na autarquia, assinado pelo punho do autor, define áreas de expansão residencial (no prolongamento do Olival do Senhor, paralela à reta da Pena, na ligação da igreja matriz com rua da Viacova e na Veiga, ao longo de um arruamento central) e propõe a localização de alguns edifícios públicos a construir, nomeadamente um campo de jogos (na Barca), um hospital (no sopé de Casabril) e uma auto-gare (um pouco a sul da escola primária da igreja, sobranceira à estrada para Ermelo),  onde se projetava um entroncamento da variante da EN312, para Atei.
Como nota interessante do ante-plano, salienta-se a proposta de construção dos novos Paços do Concelho, num espaço muito desafogado, de frente para a fachada principal da igreja matriz, sendo os dois edifícios ligados por uma avenida, com separador central, com um comprimento de cerca de 200m. A ladear a avenida implantar-se-iam blocos de habitação, na ala sul e moradias unifamiliares, na parte norte. O edifício dos Paços do Concelho disporia de um jardim frontal, de maneira a valorizar o símbolo maior do poder concelhio.
Embora a generalidade das propostas apresentadas no ante-plano de 1952 nunca tenham saído do papel, o primeiro esboço de urbanização de Mondim de Basto é um documento extremamente importante para a história do concelho e não deixa de ser interessante puxar pela imaginação e idealizar-se o retrato da vila se tivessem sido concretizados os projetos do Arq. Oliveira Martins.

-----------------------------------------------------------

[1] Esta capela foi trasladada, por volta de 1917, para o local que ocupa atualmente.
[2] Deliberação tomada pela Câmara Municipal em 13 de janeiro de 1900, na passagem do 2º aniversário da restauração do concelho.
[3] Vd. Ana Maria M. de Sousa Pereira, “Mondim de Basto nos finais do século XVIII: Algumas reflexões sobre a capela de Nossa Senhora da Piedade do Monte Ladário”, in Estudos Transmontanos e Durienses, 12, Arquivo Distrital de Vila Real, 2005, pp. 249-272.
[4] Ata da reunião da Câmara Municipal de Mondim de Basto, de 11/10/1922, fl. 107v.
[5] A intervenção levada a cabo era uma aspiração antiga, como se comprova pela deliberação tomada pela Câmara Municipal, na sua reunião de 26 de maio de 1921. Nessa data foi aprovada por unanimidade a proposta de construção de um talho municipal na vila, bem como a abertura de uma rua e alargamento da mesma “entre a Estrada Nova e a rua do Escourido a principiar entre a casa de Elidio Augusto de Castro e herdeiros de D. Maria Carneiro”.
[6] Ata da reunião da Câmara Municipal de 13/11/1930, fl. 123.
[7] Ata da reunião da Câmara Municipal de Mondim de Basto, de 15 de outubro de 1931 (fl. 11)
[8] Lv. de actas da Câmara Municipal de Mondim de Basto, 1946-1949, fl. 77.
[9] Lv. de actas da Câmara Municipal de Mondim de Basto, 1949-1953, fl. 156.

O Largo do Jardim 9 de Abril

LOGO

De entre as praças, largos e jardins existentes em Mondim de Basto, nenhum se equipara em história e simbolismo ao Largo do Jardim 9 de Abril. Localizado no interface do centro histórico da vila com a antiga veiga do Valinho, o largo ocupa uma área de cerca de 2.000m2, configurando uma planta quase triangular, com um ângulo obtuso pouco pronunciado, estando o cateto menor orientado para SSE, a facear com o lado Sul da primitiva rua de Viacova, a hipotenusa voltada para ENE, ladeando a velha EN 18-2 e o cateto maior direcionado para o logradouro do casal de Santa Maria e para a casa da Renda, a poente. O espaço interior, organizado em canteiros relvados, demarcados por lancis de pedra, é definido por dois canteiros circulares, colocados nos pontos extremos, ligados entre si por larga avenida empedrada. No círculo maior, a Sul, ergue-se um monumento aos Mortos da Grande Guerra e no círculo menor, a Norte, levanta-se uma coluna relevada encimada por urna.
Apelidado no passado de Largo do Rego ou Largo Municipal do Rego, Largo de Camões e Jardim Público, foi batizado em 1930, com o nome Praça 9 de Abril, em homenagem aos mártires da pátria (de modo particular os naturais do concelho de Mondim de Basto), sacrificados na batalha de La Lys (painel I, painel II e painel III), na Flandres, em 9 de abril de 1918, ao serviço de Portugal e das forças aliadas, durante a I Grande Guerra.
A ideia de construir uma praça no lugar do Rego deverá remontar aos finais do século XIX, provavelmente por influência dos jardins públicos que iam surgindo em localidades próximas , como resposta à necessidade de criar espaços de convívio e lazer, compagináveis com a estética romântica, destinados a uma nova elite burguesa, recheada de capitalistas “brasileiros de torna-viagem”.
Embora Mondim de Basto possuísse um Largo Municipal (denominado Largo Conde de Vila Real, desde 1900), junto dos Paços do Concelho, cuja centralidade era factor de atração dos mondinenses, este espaço não possuía escala compatível com as novas exigências da sociedade, estando estrangulado pelo edificado (casa do Eirô de Baixo, casa da Câmara e casario fronteiro) e pela EN 18-2, que rasgara a vila, paralela à Rua Velha, até ao lugar do Prazo. Deste modo, a criação de um jardim público no lugar do Rego, podia quase considerar-se um prolongamento do Largo Municipal para poente, apenas seccionado pela dita estrada nacional.
A construção do Largo do Rego demorou cerca de 20 anos a executar, tendo-se processado em 3 fases distintas. A primeira, entre 1910 e 1917, estruturou a primitiva praça, provavelmente circunscrita à parte norte do largo atual. A segunda, dos primeiros anos da década de 1920, alargou a praça para Sul, à custa de alguns terrenos e da demolição das velhas casas que faceavam, de Norte, a rua de Viacova. A terceira e última fase, que ocorreu entre 1926 e 1930, compreendeu a arborização, ajardinamento e implantação do monumento aos heróis da guerra.

Nos inícios da década de 1910, a construção do Largo do Rego já devia estar em marcha, com a Câmara empenhada na angariação dos terrenos necessários ao projeto. Só assim se explica que o executivo, em 14 de junho de 1913, tenha deliberado, por unanimidade, aceitar a oferta feita por José de Carvalho Camões de terrenos sitos no lugar do Rego, exarando na ata da respectiva reunião “agradecer ao mesmo dando-lhe um voto de louvor” e, no mesmo ano e mês, ter deliberado pedir autorização superior para expropriar “um tracto de terreno e casas, sitas no lugar do Rego”, pertencentes a Emília Martins , com o objectivo de “ fazer um largo no mesmo local” . Aliás, já no ano anterior de 1912, aquando da construção do “palacete” do Dr. Joaquim Augusto Alves Ferreira, juiz na comarca de Torres Vedras, no lado sul da rua de Viacova, a Câmara tinha conseguido retificar o traçado da rua, à custa de terreno cedido pelo proprietário , o que indicia preocupação do executivo em relação ao espaço que delimitaria, de Sul, o Jardim Público.
Em 1915, a Câmara pagou a José da Mota, calceteiro de Braga, a importância de 18$71, por demolições e algum trabalho de calcetaria no então denominado “Largo Municipal do Rego” e, em 1917, a Manuel Boavista, pedreiro de Mondim de Basto, 30$63, por terraplanagens e outras obras de alargamento no mesmo largo , trabalhos que deverão estar relacionados com a transladação da capela de Santa Quitéria, deste local para junto da Casa do Eirô de Baixo. No final desse ano, com o largo já pronto a receber algum mobiliário, foi solicitado a José Garcia, pedreiro de Vilar de Viando, que construísse 6 bancos de pedra, gastando o município com aquela encomenda a importância de 45$30 .

Em 1921 teve início a ampliação do largo, com inclusão do espaço ocupado por diversos prédios urbanos. Para tratar da sua aquisição, o executivo encarregou um dos seus membros, registando na ata de 26 de maio desse ano, tal decisão. As negociações com os proprietários dos prédios deverão ter corrido sem quaisquer sobressaltos, estando concluídas no mês de setembro seguinte, tal como se infere pela ata da reunião do executivo de 29 daquele mês, quando foi deliberado pagar: “a Bernardo Alves Machado, casado, proprietário desta vila, 6.000$00, importância por que vendeu a esta Câmara para alargamento do largo do Rego desta vila, uma morada de casas e terreno contíguo, a Francisco Reis, casado, negociante desta vila, 2.500$00, preço por que vendeu a esta Câmara uma morada de casas sitas na rua de Viacova para alargamento do dito largo do Rego, a Alcina Vaz Guimarães, solteira, proprietária desta vila, 4.000$00, importância por que vendeu ou vai vender a esta Câmara uma morada de casas, terrenos contíguos e outras casas em ruínas denominadas de “Magusto” para continuação do largo do Rego desta vila”. É muito interessante constatar que uma parte da verba que a Câmara gastou com esta operação de compra de casas e terrenos para alargamento do Largo, foi suportada pela comparticipação financeira de alguns cidadãos, nomeadamente do Conselheiro Joaquim Augusto Alves Ferreira e de António Gaspar Lopes, comerciante no Recife, o que releva sobre a consensualidade deste projeto, pelos grandes benefícios que trazia à vila.
O posicionamento capital do novo espaço, haveria de ser determinante para a Câmara deslocar a “feira anual que he de costume realizar-se no Olival do Senhor desta vila no dia 5 de Setembro para o local desta vila denominado Largo do Rego”, deliberando dar a maior publicidade ao facto, certamente pela arreigada tradição da população ao antigo local da feira .

Como a praça dispunha de poucas árvores, decerto circunscritas ao espaço intervencionado na primeira fase, a partir de 1926 o projeto focou-se na arborização e ajardinamento do largo, com a colocação do mobiliário urbano indispensável. Assim, na primavera de 1926, a Câmara comprou à firma Afredo Moreira da Silva e Filhos, horticultores da cidade do Porto, um total de 24 rubíneas nº 18, chegadas a Mondim em duas encomendas, tendo sido despendida a verba total de 396$00 , a que acresceu a importância de 115$50, dos gastos de transporte, plantação e adubação, tarefas de que se encarregou José Teixeira Torres, negociante da vila .
Dispostas as rubíneas a circundar a plataforma do jardim municipal, impunha-se, agora, organizar o espaço interno. Terá sido, por esta altura, que surgiu a ideia de erguer, neste local, um monumento aos heróis da I Grande Guerra, homenagem que se tornou mais premente face ao golpe de estado de 28 de maio de 1926 e ao regresso dos militares à cena política. Embora a comemoração do dia 9 de abril, em Mondim de Basto, já fizesse parte, pelo menos desde 1921, das celebrações do município, o apelo da Junta Patriótica do Norte e o incentivo à construção de monumentos concelhios, por parte da Comissão de Padrões da Grande Guerra, dariam grande impulso para a sua edificação.
Perante as dificuldades financeiras com que a Câmara sempre se debatia, tomou o encargo de levantar o monumento aos soldados do concelho tombados na guerra, José de Carvalho Camões, solteiro, “proprietário capitalista desta vila”, um dos grandes beneméritos locais, a quem o município já no passado louvara pela oferta de terrenos cedidos para a construção do Largo do Rego. Por todas estas razões, o executivo tinha decidido atribuir à praça o nome “Largo de Camões”, denominação que chega a aparecer em alguns documentos oficiais, nomeadamente em plantas de expropriação de terrenos contíguos, sitos no Escourido.
Entretanto, a Câmara incumbiu-se de levar avante algumas das infraestruturas, trabalhos que decorreram durante o ano de 1929, como se comprova por diversos pagamentos registados nas atas das suas reuniões. Assim, na sessão do dia 14 de novembro eram autorizados os pagamentos da importância de 330$10 a “Joaquim Garcia, casado, pedreiro desta vila, dos seus salários e mais quatro operários, pelo corte de dez carros de pedra, preparação do assentamento da mesma para soleiramento ao lado do jardim público do Largo de Camões” e de 120$00 a “Cândida Gaspar de Oliveira Basto, solteira, hoteleira desta vila, de hospedagem e alimentação por ela fornecidos ao montador eletricista Sr. Carlos Xavier durante 8 dias, que veio dirigir a ligação da luz eléctrica aos postes de ferro, que se acham colocados no Largo de Camões ao lado do jardim público” . Na sessão do dia 5 de dezembro, seguinte, era paga a importância de 431$30 a “António José Nunes, chaufeur desta vila, de material eléctrico que forneceu para a instalação da luz eléctrica no jardim publico desta vila e trabalho na mesma instalação” .

Por solicitação de José de Carvalho Camões, o Presidente da Câmara convocou uma sessão extraordinária do órgão executivo, com a finalidade de receber “o jardim e monumento aos mortos na Grande Guerra”, tendo sido exarado na respectiva ata que a Praça se passaria a chamar 9 de Abril, por vontade expressa do mecenas.
O monumento aos mortos da I Grande Guerra, erguido na Praça 9 de Abril, em Mondim de Basto, é uma estrutura tipo Padrão, da autoria do arquiteto e militar, Tenente João Marcelino de Queirós. É composta por uma base prismática, encimada por um plinto paralelepipédico que é rematado por uma peça escultórica (10.1; 10.2; 10.3), com as faces frontal e posterior desenhando o escudo de Portugal (com as cinco quinas representadas por pequenos retângulos), de onde irradia a cruz de Cristo e as faces laterais marcadas pelo topo do braço da cruz, atravessado por uma coluna relevada, com decoração vegetalista.
Nos quatro lados do plinto rasgam-se nichos rectangulares, pouco profundos, preenchidos por motivos simbólicos e memórias da guerra. A face central alberga uma escultura em bronze, com assinatura do autor indecifrável, representando o retrato de um soldado da 1ª Grande Guerra. Sob a escultura está gravada a inscrição AOS QVE, (prolongando-se para a base) MORRERAM NA GUERRA / (e em relevo) 1914-1918 . A face posterior do plinto integra no nicho um motivo relevado, representando o mundo, envolvido por uma decoração vegetalista. Sob esta, na base, está gravada uma inscrição, hoje quase ilegível.
Os nichos das faces laterais integram placas de mármore, envolvidas por uma cercadura vegetalista em bronze, onde. estão gravados os nomes dos mondinenses, tombados na guerra. No lado direito estão os combatentes mortos em França e no esquerdo os mortos em África (10.5; 10.6).
Sob esta inscrição, integrada no canto superior direito da base, está uma pequena placa de cimento, com a assinatura do autor.
A inauguração do Padrão e do jardim envolvente, que albergava um fontenário, mandado colocar pelo Comendador Alfredo Álvares de Carvalho , teve lugar a 11 de maio de 1930, num ambiente de grandes festejos em que estiveram presentes membros do governo (o Presidente do Ministério, General Domingos Oliveira e o Ministro do Comércio, Dr. Antunes Guimarães) o bispo de Vila Real, D. João Evangelista Vidal e o antigo capelão militar do Corpo Expedicionário Português, Dr. Luís Lopes Mello , o Governador Civil de Vila Real, José Maria Cabral Sampaio, o Administrador do concelho de Mondim de Basto, Ernesto Carvalho Branco e outras individualidades civis e militares. A Câmara Municipal, presidida por Joaquim de Oliveira, aproveitou a oportunidade para inaugurar outros melhoramentos da vila e homenagear três ilustres mondinenses (Comendador Alfredo Álvares de Carvalho, Adriano Pinto Coelho e José de Carvalho Camões), grandes beneméritos e responsáveis por aquelas obras. Para imortalizar aqueles benfeitores, a Câmara mandara ampliar as suas fotografias e encaixilhá-las em grandes quadros de madeira, identificados com placas de prata, para colocar em destaque no salão nobre dos Paços do Concelho. Desse trabalho foi encarregue a Fotografia Alvão, da cidade do Porto, tendo sido gasta a importância de 2.500$00 .
Classificadas de imponentes pela imprensa regional, as festividades de 11 de maio de 1930, para além de implicarem toda a comunidade local, envolveram muitos filhos da terra, ausentes no Brasil, cujo sentido patriótico levou à angariação de uma elevada quantia de dinheiro, destinada a fazer face aos muitos gastos que as festas acarretavam.
Concluído o projeto de criação do Jardim Público, enobrecido pelo Padrão da I Grande Guerra e impregnado de especial simbolismo, realçado pela memorável cerimónia de inauguração, em que marcaram presença figuras maiores do governo, da igreja e dos órgãos de poder distrital e municipal, o local passaria a assumir-se como centro cívico da vila e polo de atração sócio-económica, também pela proximidade do largo do Escourido, onde funcionará o mercado e o talho municipal. Por tal motivo, a praça passará a ser solicitada para instalação de serviços, nomeadamente de bombas de gasolina , para o abastecimento automóvel.
A preocupação com a manutenção do Jardim Público da Praça 9 de Abril foi uma constante, ao longo do tempo, mantendo-se, na atualidade, a qualidade estética dos canteiros floridos e o asseio do local. As primitivas rubíneas que circundaram a praça foram substituídas, na década de 1950, por outras árvores mais apropriadas e, pela mesma altura, substituíram-se os velhos assentos de pedra, por 8 modernos bancos em ferro forjado e madeira, fabricados na metalúrgica Alba (16.1; 16.2), de Albergaria-a-Velha, pelos quais a câmara pagou a importância de 4.705$00 . Estas mudanças ficaram gravadas na coleção de postais de época (17.1; 17.2), editados pela Casa Palmeira, documentos históricos que nos permitem, mais de meio século passado, confirmar o jardim da Praça 9 de Abril como o mais autêntico cartão de visita da vila de Mondim de Basto.

-----------

[1] Por exemplo Fafe, cujo Jardim Público foi construído em 1892.
[2] Acta da reunião de 26 de junho de 1913, da Câmara Municipal de Mondim de Basto.
[3] Na reunião de 29 de maio de 1912, a Câmara deliberou, por unanimidade, oficiar “a agradecer a generosa oferta feita à Câmara de um tracto de terreno que sua Excelência perdeu na rua de Viacova com o alinhamento dado por esta Câmara para a construção de um palacete que ali mandou edificar”.
[4] Idem de 5 de agosto de 1915.
[5] Idem de 5 de julho e de 2 de agosto, de 1917.
[6] Idem de 15 de novembro de 1917.
[7] Acta da reunião de 16 de agosto de 1923, da Câmara Municipal de Mondim de Basto, fl. 15v.
[8] Acta das reuniões de 3 de março e 21 de abril de 1926, da Câmara Municipal de Mondim de Basto. Na referência ao pagamento da encomenda é dito, textualmente, que as árvores são destinadas ao “Largo Municipal em construção”.
[9] Acta da reunião de 26 de maio de 1926, da Câmara Municipal de Mondim de Basto.
[10] Acta da reunião de 14 de novembro de 1929, da Câmara Municipal de Mondim de Basto, fl. 2.
[11] Idem, fl. 3
[12] Acta da reunião de 14 de novembro de 1929, da Câmara Municipal de Mondim de Basto, fl. 12.
[13] Em 2014 sob a data foi cravada uma placa de metal, com a inscrição: EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO / DA / GRANDE GUERRA / (1914-1918) / HOMENAGEM AO COMBATENTE PORTUGUÊS/ 2014.
[14] Acta da reunião de 24 de abril de 1930, da Câmara Municipal de Mondim de Basto.
[15] [15]A Câmara Municipal auxiliou com 216$00 a sua deslocação de Coimbra a Mondim de Basto, para assistir à inauguração do Monumento aos Mortos da Guerra (Acta da reunião de 1 de maio de 1930, da Câmara Municipal de Mondim de Basto).
[16] Acta da reunião de 15 de maio de 1930, da Câmara Municipal de Mondim de Basto, fl. 73.
[17] Acta da reunião de 10 de dezembro de 1952, da Câmara Municipal de Mondim de Basto.
[18] Acta da reunião de 10 de julho de 1953, da Câmara Municipal de Mondim de Basto.

Evolução Urbanística de Mondim de Basto

Ao recordarmos a data de 1898, marco capital na história do concelho de Mondim de Basto, não podemos deixar de ser acometidos pela fascinante curiosidade de imaginar o retrato da vila, na transição do século XIX para o XX. Embora não se disponha de cartografia e registos fotográficos daquela década, recorrendo às mais antigas plantas de Mondim de Basto, olhando as fachadas dos edifícios que se distribuem pela atual malha urbana e analisando as atas camarárias que registam alguns dos factos importantes da vida do Município,  vamos procurar aproximar-nos da fisionomia de Mondim de Basto à época da restauração do concelho e destacar o mais relevante da evolução da vila, até à aprovação do primeiro ante-plano urbanístico, que aconteceu em finais de 1952.
Genericamente, em 1898, o aglomerado urbano de Mondim de Basto confinava-se ao espaço entre o Olival do Senhor e o Atalho, desenvolvendo-se ao longo da estrada que vinha da ponte sobre o Tâmega e conduzia para Atei, Vilar de Ferreiros/Bilhó e Paradança/Ermelo. A maior concentração do edificado implantava-se entre o Souto e o Eirô, extremos ligados pela rua Velha que era o eixo estruturante da vila, da qual irradiavam várias ruas, ditas secundárias, mas funcionalmente imprescindíveis na articulação urbana e na ligação aos campos da envolvência. Em alguns dos entroncamentos destas vias tinham-se desenvolvido terreiros, com um papel importante no quotidiano da população, sendo um dos mais relevantes o do Souto, localizado na encruzilhada da rua Velha com a rua das Lajes, por onde se saía para as propriedades agrícolas da Costeira e de Ribadal.
O largo do Souto estava nobilitado, desde  o último quartel do séc. XVI, pela Capela do Santíssimo Sacramento, templo edificado a pedido dos moradores, desagradados com a distância e o difícil acesso à sua igreja paroquial, particularmente penoso nos meses de Inverno, pois tinham que atravessar a alagada veiga do Valinho. No final do século XIX, a capela ainda dispunha de um alpendre, sustentado por colunas e mobilado com bancos de pedra, acrescentado ao edifício no século XVII,  onde se acolhiam peregrinos e viandantes, para além de ser um espaço de encontro e de sociabilidade dos habitantes locais. Para melhorar a circulação neste espaço, a Câmara Municipal mandou calcetar o largo, em 1901, tendo gasto com a obra a quantia de 40.000 reis.
Na outra ponta da vila, junto ao Eirô, no entroncamento da rua Velha com a rua do Cavalo, por onde se saía para Campos, Vilar de Ferreiros e Bilhó e com a rua de Viacova, direcionada para a Igreja paroquial, Vilar de Viando, Paradança e aldeias próximas ao Marão, tinha-se definido um outro terreiro, denominado a Praça, circunscrito de poente pelo lugar do Rego e, por essa razão, também apelidado de largo do Rego e mais tarde Municipal, pela contiguidade aos símbolos do poder local. Aqui se erguia o pelourinho manuelino, junto da capela setecentista de Santa Quitéria [1] e se construiu, em momento avançado do século XIX, os Paços do Concelho que albergavam os órgãos da administração, antes da anexação a Celorico de Basto e para onde voltaram, após a restauração do município. Este edifício, erguido graças à ação do administrador Jerónimo Bartholino de Araújo, passou a balizar, do lado nascente, o Largo Municipal, rebatizado em 1900 como Largo do Conde de Vila Real [2] , em homenagem ao governador civil do distrito, grande obreiro da restauração do concelho de Mondim. Nesse ano, a Câmara Municipal procedeu a melhoramentos na praça, entre os quais o seu calcetamento, despendendo com a obra 50.000 réis.
A aparência mais elitista desta zona da praça, exemplificada pela magestosa casa do Eirô de Baixo, seria reforçada com a construção de duas imponentes casas de volumetria tendencialmente vertical, uma delas ostentando um interessante lamberquim a guarnecer os bordos do beiral, aproximando-nos por essa via aos referenciais brasileiros dos seus proprietários.
Da rua Velha, entre os dois largos referidos, saía uma rua para o Outeiro e para a Costeira, outra para o Escourido e o Rego e uma outra, mais estreita (quelha da Veiga), para a veiga do  Valinho, com ligação à rua da Viacova e à Igreja paroquial. Embora com alguma importância estrutural, esta ruela era muito desprezada pela população que aqui fazia os seus despejos de lixos e imundícies sendo, por isso, alvo de muitas queixas dos utentes e dos residentes mais próximos. A situação tornou-se tão grave que, em 1936, a Câmara determinou vedar o acesso público por meio de dois portões de ferro, dotados de fechadura, colocados um em cada extremo, sendo entregues as chaves aos proprietários que faziam serventia pela mesma quelha.
Como se depreende, pelo que se referiu, o aglomerado urbano de Mondim de Basto, na transição do século XIX para o XX, alcandorava-se nas encostas sul e poente do Outeiro, dominando todo o vale do ribeiro do Valinho, linha de água que serpenteava a paisagem a caminho  do Tâmega, fundamental na fertilização da veiga, composta por um mosaico de campos rodeados por vinha de enforcado, onde pontuava o milho e a batata. No lado oposto ao Outeiro, onde sobressaiam os relevos de  Casabril e do Monte Ladário, as marcas urbanas eram residuais, mantendo-se praticamente inalterada a ambiência rural secular, misto de leiras e sortes de mato. A quebrar a paisagem do Monte Ladário, na meia encosta, assomava o novel cemitério paroquial, construído em 1877 à volta da capela de Nossa Senhora da Piedade e o escadório de pedra, por onde a via sacra caminhava até ao calvário, erguido junto ao templo. Também no sopé do monte, abrigadas pelo relevo cónico dos ventos dominantes, ombreavam dois edifícios emblemáticos da urbe, a casa da Igreja, com a sua fisionomia solarenga de setecentos e a igreja paroquial que, naquela ano de 1898, mostrava a fachada principal recentemente reconstruída, graças à benemerência de José Vitorino Carvalho de Magalhães, mondinense radicado no Rio de Janeiro.
Este espaço fora da vila sofreria alterações significativas nas décadas de 1910 a 1930, com o arranjo do largo fronteiro à matriz e melhoramento do acesso ao escadório do cemitério e devido à trasladação da capela de Nossa Senhora da Piedade, do interior do cemitério para o alto do monte Ladário, com a construção de uma avenida e arborização da envolvente.
A capela de Nossa Senhora da Piedade, construída no último quartel do século XVIII no local onde estava arruinado um edifício mais antigo, da mesma invocação [3], ficou rodeada pelo cemitério paroquial, aquando da sua construção, um século mais tarde. Em outubro de 1922, o comendador Alfredo Álvares de Carvalho, residente na cidade de Recife, fez um requerimento à Câmara, pedindo licença [4] para conduzir pelas ruas do cemitério municipal o material da capela que pretendia reconstruir no alto do monte do mesmo nome. Conseguida a respetiva autorização camarária, a reconstrução foi realizada em 1923, sendo o templo benzido pelo bispo de Vila Real, D. João Evangelista de Lima Vidal, no dia primeiro de maio de 1924.
Os melhoramentos no Monte Ladário continuaram nos anos seguintes, com a construção de uma avenida de acesso à ermida e, finalmente, a arborização do outeiro que ficaria concluída nos inícios de 1931, como se depreende das deliberações camarárias, de 5 e 26 de fevereiro, as quais determinavam que “500 árvores enviadas pela Florestal de Amarante para a estação da Chapa serão entregues ao benemérito Senhor Comendador Alfredo Álvares de Carvalho para plantar no monte da Senhora da Piedade onde este benemérito tem feito melhoramentos” e “entregar 100 amoreiras, enviadas pela Estação Sericícola Meneses Pimentel, de Mirandela, ao benemérito Senhor Comendador Alfredo Álvares de Carvalho para plantar no monte da Senhora da Piedade”.

Até aos inícios de 1940, salvo as modificações que adiante assinalaremos, pouco mudou na zona nuclear (a que hoje chamamos “centro histórico” de Mondim de Basto), como se comprova pelo mais antigo levantamento aerofotogramétrico, à escala 1:2.000, elaborado pela Comissão de Fiscalização dos Levantamentos Topográficos Urbanos, do Ministério das Obras Públicas e Comunicações. Este levantamento foi o ponto de partida para a concretização do Plano Geral de Urbanização, imposto pelo governo de Salazar, tendo como mentor Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e Comunicações, através do Decreto-Lei nº 24.802, de 21 de dezembro de 1934. Como previa dificuldades técnicas e financeiras dos municípios, o estado disponibilizou ajuda às Câmaras Municipais na elaboração das plantas topográficas, ajuda que a autarquia mondinense não regateou, conforme se comprova pelas atas das reuniões do executivo.
Na sua reunião ordinária de 24 de dezembro daquele ano, a Câmara Municipal de Mondim de Basto tomou conhecimento do Decreto 24.802, que mandava promover o levantamento da planta topográfica e a elaboração de planos de urbanização, tendo registado na respectiva ata “resolvido deixar para ocasião oportuna este assunto visto não ter data fixada”. Porém, logo no mês seguinte, chegou à Câmara um ofício do Ministério das Obras Públicas pedindo para no prazo de 30 dias lhe fosse indicado: - Se a sede do concelho tinha planta geral elaborada com curvas de nível e qual a escala respectiva; - No caso de a não ter se desejava a Câmara que a planta topográfica desta localidade fosse levantada nos termos dos artºs 6º e 7º do Decreto 24.802; - Se existia no concelho alguma povoação a que a Câmara julgasse aplicável a doutrina do artº 2º (localidades com mais de 2.500 habitantes que, entre dois recenseamentos oficiais consecutivos, acusassem um aumento populacional superior a 10%). Desconhecemos o encaminhamento que a Câmara deu ao solicitado mas sabemos que no orçamento de 1936 foi inscrita verba para pagamento dos encargos com os levantamentos topográficos e, no Verão desse ano, a Direção dos Edifícios Nacionais do Norte nomeava o Eng. Manuel Lima Fernandes de Sá, daquele serviço, para fazer parte da Comissão encarregada de delimitar a área a levantar pela planta topográfica, trabalho preliminar da organização do plano de urbanização da vila. No ano de 1937 não há notícias sobre o assunto, o que leva a admitir alguma inércia da Câmara em linha com a presumível dificuldade dos técnicos envolvidos no levantamento das plantas topográficas, a braços com um enorme volume de trabalho, pois o plano abarcava o território nacional. No entanto, o governo central tinha pressa no assunto, pelo que a Comissão dos Levantamentos Topográficos emitiu uma circular, no final de 1938, chamando a atenção das Câmaras para a deliberação do Ministro das Obras Públicas e Comunicações de não autorizar, de futuro, a comparticipação do Estado em obras de urbanização quando estas não fizessem parte de planos gerais devidamente estudados sobre as novas plantas topográficas conforme as prescrições do Decreto nº 29.802. No início de 1939 chegaram à Câmara Municipal o auto de delimitação da vila, memória descritiva  e o esboço da área a levantar topograficamente, documentos que deveriam ser assinados pelo executivo e devolvidos a Lisboa, para que se iniciassem os trabalhos. Nesse ano, as empresas adjudicatárias terão entrado em ação, como se depreende por uma circular do Governo Civil de Vila Real que pede à Câmara conceda todas as facilidades aos responsáveis pela execução dos serviços. Os trabalhos deverão ter-se arrastado pelos anos seguintes, estando concluídos em 1943, quando são fornecidas à Câmara Municipal 2 cópias da planta topográfica da vila e disponibilizados mais exemplares, ao preço de 20$00 cada.

Retornando às transformações urbanas, ocorridas  durante o primeiro terço do século XX, importa destacar algumas das operações que marcaram a fisionomia da vila. Uma dessas intervenções, que se desenrolaria na sequência da construção da estrada nova, paralela à rua velha, incidiu na zona nascente, englobando o Eirô, o Rego e o Escourido e contemplou a transferência da capela de Santa  Quitéria para o logradouro da casa do Eirô, em 1917 e o alargamento do terreiro para noroeste e sudoeste, graças à oferta e aquisição de alguns terrenos do Rego. Nos finais da década, em 1929, este espaço adquiriria a configuração atual, sendo ajardinado e nobilitado com um Monumento aos Heróis da 1ª Grande Guerra, melhoramentos feitos a expensas do benemérito José de Carvalho Camões, os quais foram entregues simbolicamente ao Município, em 9 de abril de 1930, passando o espaço a denominar-se de Praça 9 de Abril, em homenagem à batalha de La Lys (Bélgica), onde perderam a vida muitos soldados lusos.
Também no Escourido, local onde existia um pequeno terreiro utilizado, desde 1926, para a venda de peixe, se procedeu a uma intervenção importante [5]. No ano de 1929, a Câmara Municipal deliberou expropriar e demolir alguns edifícios, de modo a criar uma praça para mercado municipal e  facilitar a ligação do Jardim Público à rua Velha e, obviamente, ao quartel dos Bombeiros Voluntários. Para o efeito, encarregou José Soares Nogueira, desenhador-topógrafo de Vila Nova de Gaia, de elaborar o respectivo projeto , tendo pago pelo serviço 350$00 [6].
Como havia urgência na intervenção, logo no dia 2 de janeiro de 1930, João António Parente, Ilídio Augusto de Castro, Francisco Gomes Martins, José Teixeira Torres e D. Ana Carneiro foram intimados a comparecer na Câmara para se entenderem acerca do valor dos prédios de que eram proprietários, que a autarquia pretendia expropriar amigavelmente e em fevereiro já decorriam alguns trabalhos, como se constata pelo pagamento de 38$50 que a Câmara  fez a Luís da Costa, jornaleiro da vila, importância despendida com um carro de bois e dois operários empregados na remoção de entulho existente junto do fontenário público. Embora o plano originalmente traçado tenha esbarrado com alguma oposição dos proprietários, a obra realizou-se, com os ajustes necessários, estando concluída nos finais de 1931, passando a integrar a praça um talho municipal, construído pela edilidade no gaveto do largo, com a fachada voltada para a Praça 9 de abril, equipamento provido de todas as condições de asseio e higiene, com o pavimento de mosaico e as paredes revestidas de azulejos, até à altura de 1.80m. Concluída a intervenção, a Câmara apressou-se a definir a organização do espaço de venda, tendo deliberado “que a venda do peixe, aves, hortaliças, frutas, cereais, legumes e tudo enfim que seja exposto ao público seja desde já no local que esta Câmara destinou para Mercado Municipal no novo largo do Escourido, ficando o peixe do lado direito de quem sobe e o restante do lado esquerdo” [7].

Depois de concluída e aprovada a planta topográfica da vila de Mondim de Basto, o que aconteceu em 1943, a Câmara Municipal dispunha de um prazo de três anos para a apresentação ao governo do respectivo plano de urbanização, conforme o disposto no Decreto-Lei nº 24.802, de 21 de dezembro de 1934, já atrás referido. Para lembrar tal obrigação, o Diretor-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais oficiou à Câmara Municipal de Mondim de Basto, aproveitando para esclarecer que o Ministro, a pedido dos interessados, vinha dispensando a abertura de concursos públicos para a elaboração  de tais planos e que o governo poderia comparticipar nas despesas resultantes daquela elaboração até ao limite de 50% desde que lhe fosse solicitado e as dificuldades financeiras da autarquia o justificassem. Inteirada deste assunto, na sua reunião de 15 de junho de 1944, a Câmara encetaria contactos com o Arq. Luís José de Oliveira Martins, morador na Foz do Douro, para a realização do Plano de Urbanização.
No dia 15 de novembro de 1946, a Câmara registou uma carta do arquiteto, comunicando a sua chegada a Mondim para tratar do Plano de Urbanização e, no dia 31 de março do ano seguinte, deliberou na sua reunião “enviar brevemente” o ante-plano de urbanização da vila, devidamente preenchido - supomos que um documento com as ideias gerais da autarquia, relativamente aos equipamentos necessário no futuro. Aliás, a Câmara Municipal receberia, passado 3 meses, um ofício da Direção-Geral dos Serviços de Urbanização, de Lisboa, comunicando que havia sido concedida assistência técnica gratuita para a elaboração do Plano de Urbanização da vila e pedindo para que fossem enviados ao Arq. Oliveira Martins os elementos de inquérito para o ante-plano [8].
Não sabemos como foi resolvido o problema do não cumprimento dos prazos impostos pela lei, pois o assunto só voltaria a ser abordado na reunião da Câmara, de 14 de setembro de 1950, quando foi deliberado “convidar, por meio de editais, os munícipes a apresentar por escrito as suas sugestões sobre o Ante-Plano de Urbanização da vila”, estabelecendo o prazo de 15 dias para tal. Dois anos  passados sobre a abertura à consulta pública, a Câmara, em reunião de 25 de setembro de 1952, deliberou, por unanimidade, aprovar o ante-plano de urbanização [9], encerrando, finalmente, este processo.
O ante-plano de urbanização de Mondim de Basto é um documento executado sobre a carta topográfica, à escala 1:2000, disponibilizada pela Câmara Municipal ao Arq. Luís José de Oliveira Martins. O exemplar conservado na autarquia, assinado pelo punho do autor, define áreas de expansão residencial (no prolongamento do Olival do Senhor, paralela à reta da Pena, na ligação da igreja matriz com rua da Viacova e na Veiga, ao longo de um arruamento central) e propõe a localização de alguns edifícios públicos a construir, nomeadamente um campo de jogos (na Barca), um hospital (no sopé de Casabril) e uma auto-gare (um pouco a sul da escola primária da igreja, sobranceira à estrada para Ermelo),  onde se projetava um entroncamento da variante da EN312, para Atei.
Como nota interessante do ante-plano, salienta-se a proposta de construção dos novos Paços do Concelho, num espaço muito desafogado, de frente para a fachada principal da igreja matriz, sendo os dois edifícios ligados por uma avenida, com separador central, com um comprimento de cerca de 200m. A ladear a avenida implantar-se-iam blocos de habitação, na ala sul e moradias unifamiliares, na parte norte. O edifício dos Paços do Concelho disporia de um jardim frontal, de maneira a valorizar o símbolo maior do poder concelhio.
Embora a generalidade das propostas apresentadas no ante-plano de 1952 nunca tenham saído do papel, o primeiro esboço de urbanização de Mondim de Basto é um documento extremamente importante para a história do concelho e não deixa de ser interessante puxar pela imaginação e idealizar-se o retrato da vila se tivessem sido concretizados os projetos do Arq. Oliveira Martins.

-----------------------------------------------------------

[1] Esta capela foi trasladada, por volta de 1917, para o local que ocupa atualmente.
[2] Deliberação tomada pela Câmara Municipal em 13 de janeiro de 1900, na passagem do 2º aniversário da restauração do concelho.
[3] Vd. Ana Maria M. de Sousa Pereira, “Mondim de Basto nos finais do século XVIII: Algumas reflexões sobre a capela de Nossa Senhora da Piedade do Monte Ladário”, in Estudos Transmontanos e Durienses, 12, Arquivo Distrital de Vila Real, 2005, pp. 249-272.
[4] Ata da reunião da Câmara Municipal de Mondim de Basto, de 11/10/1922, fl. 107v.
[5] A intervenção levada a cabo era uma aspiração antiga, como se comprova pela deliberação tomada pela Câmara Municipal, na sua reunião de 26 de maio de 1921. Nessa data foi aprovada por unanimidade a proposta de construção de um talho municipal na vila, bem como a abertura de uma rua e alargamento da mesma “entre a Estrada Nova e a rua do Escourido a principiar entre a casa de Elidio Augusto de Castro e herdeiros de D. Maria Carneiro”.
[6] Ata da reunião da Câmara Municipal de 13/11/1930, fl. 123.
[7] Ata da reunião da Câmara Municipal de Mondim de Basto, de 15 de outubro de 1931 (fl. 11)
[8] Lv. de actas da Câmara Municipal de Mondim de Basto, 1946-1949, fl. 77.
[9] Lv. de actas da Câmara Municipal de Mondim de Basto, 1949-1953, fl. 156.